Cidades americanas investem nessa modalidade como espécie de test drive para construir ciclovias definitivas. Em Londres, pesquisa mostra que apoio a esse tipo de infraestrutura não tem diferenças de gênero, idade ou opção política.
Dinheiro não falta. A capital inglesa tem um orçamento de 316 milhões de libras para investir em infraestrutura de ciclovias nos próximos cinco anos. O valor, segundo a ONG British Cycling, é menos da metade da construção de uma única estação de metrô londrina. A grana aplicada pode ser pouca, mas o apoio à construção de mais infraestrutura de ciclovias não tem tamanho.
Segundo pesquisa da mesma ONG, divulgada no começo desse mês, mais de 71% dos entrevistados são a favor da ampliação de rotas. E o suporte vem de todas as classes sociais e de gêneros (as mulheres, com 74%, apoiam mais do que os homens, cuja média de suporte é de 68%). No quesito faixa etária, as pessoas abaixo de 55 anos são mais receptivas. O mesmo ocorre com os politicamente liberais, apesar de os conservadores também serem a favor em sua maior parte.
O apoio cresce, no entanto, entre os chamados commuters, aqueles que se deslocam diariamente para o trabalho usando algum tipo de veículo ou mesmo andando a pé. De acordo com a British Cycling, somente o grupo com idade acima de 65 anos e que aumentaria o seu trajeto diário em mais de 5 minutos, caso andasse de bicicleta, é resistente às ciclovias.
Do outro lado do mundo, a província canadense de Ontário tem um programa de apoio ao investimento em infraestrutura de ciclovias que soma 10 milhões de dólares canadenses. O montante pode responder até por 50% do que é aplicado nas cidades. É o caso de Hamilton, que está casando a construção de ciclovias com um sistema de LRT ou Light Rail Transit (trem leve sob trilhos).
O programa foi lançado em julho do ano passado e tem duração prevista de dois anos, envolvendo cerca de 150 municipalidades. Os investimentos não podem ultrapassar os 325 mil dólares canadenses e 37 projetos já tinham sido aprovados até abril desse ano. Hamilton, por exemplo, está recebendo 295 mil dólares para uma ciclovia de 23 km, integrada ao LRT.
Mais ousadas ainda têm sido as iniciativas nos Estados Unidos, um país tradicionalmente conhecido pelo transporte automotivo. É o que mostra a reportagem da revista Wired, publicada na semana passada, dia 15 de abril, e escrita pelo repórter Aarian Marshall. A matéria confirma a pesquisa inglesa citada acima, com dados da Universidade Estadual de Portland. Segundo a instituição, o tráfego de ciclistas aumentou entre 20% e 170% em cinco das maiores cidades americanas que construíram uma infraestrutura de ciclovias.
No meio do caminho existe o desafio de enfrentar a burocracia das agências governamentais e, é claro, o de levantar recursos e escolher as empreiteiras corretas. Logística e custos adicionais não previstos fazem parte da lista de dores de cabeça, segundo a publicação. Mas existem soluções, entre elas, a criação de ciclovias temporárias, que funcionariam como teste avançado para projetos definitivos.
Esse test drive acontece em várias cidades americanas, seccionando uma parte da estrada com sinalizadores físicos, tipo cones, usados em rodovias, e pintando-se o asfalto com tintas especiais, entre outros recursos. Em média, os custos desse tipo de intervenção não superam os cinco dígitos, de acordo com a Wired, diferentemente das ciclovias reais e protegidas, que demandam em média 445 mil dólares por milha.
O dado é da San Francisco Bicycle Coalition, que destaca que o gasto em infraestrutura varia bastante em função da localização, mas ainda seria pequeno comparado aos 280 mil dólares que a cidade californiana gasta para instalar apenas a sinalização semafórica de única via de tráfego. Ou ainda menor do que os 571 milhões de dólares por milha gastos para construir o famoso complexo viário de Presidio Parkway.
A favor da infraestrutura temporária está o fato de que ela pode ser construída, estudada e modificada sem grandes investimentos e num curto espaço de tempo. Um dos grupos que defende a solução é o PeopleForBikes. De acordo com essa ONG, cidades como Memphis, Nova York e Seattle têm abraçado rapidamente os projetos de comunidades temporárias de ciclismo.
Para o engenheiro civil Wesley Marshall, da Universidade do Colorado em Denver, a construção temporária é bem vinda, diferenciando-se do velho sistema de se pensar transporte público. “Se você avaliar a história do transporte, verá que não é mais do que uma pseudociência”, disse o especialista à revista Wired. “As linhas de orientação e os padrões nos fazem sentir como se fôssemos deuses do Olimpo, mas, na verdade, se você notar, são baseados em padrões dos anos de 1950 e 1960”, ressalta.
Hoje, muitos americanos estão interessados em viajar de bicicleta ou a pé e isso requer mais um processo interativo do que a construção em si, avalia Marshall.
Ele explica que Nova York é um lugar para se ver a abordagem inovadora. A cidade adotou uma tinta muito colorida para sinalizar o asfalto e cones como elementos de instalação de ciclovias temporárias. Em 2009, por exemplo, os grupos de ciclistas pediram ao departamento de transporte a criação de uma via de pedestres entre a intersecção das ruas Monroe e Pike, em Manhattan.
Menos de um ano depois, já haviam sido instaladas ciclovias próximas à Manhanttan Bridge, separadas do trânsito por sinalizadores de plásticos e linhas bastante coloridas no asfalto. A cidade criou, na verdade, uma minipraça de pedestres, integrada à ciclovia e usando poucas cadeiras, separadores e cercas. Os ciclistas amaram a iniciativa, na avaliação da Wired e o ciclismo aumentou 43% na direção norte e 23% na direção sul da via temporária.
Outro dado importante: as colisões entre carros e pedestres diminuíram em 35%. A cidade estava tão feliz que fez mudanças permanentes, criando uma separação de concreto definitiva e uma ciclovia, instalando móveis mais resistentes para a parte externa na minipraça. O empreendimento todo, da proposta ao piloto de ciclovia, levou apenas mais do que três anos.
“Os projetos de demonstração também são um longo caminho na maneira de aliviar os medos”, diz Christopher Monsere, chefe do departamento de engenharia civil e do meio ambiente na Universidade de Portland. “Alguns resistentes veem a infraestrutura cicloviária em ação e decidem que pode ser usado mais dinheiro, de forma que, politicamente, também é uma medida interessante”, completa.
De acordo com Monsere, a chave do método de construção rápida é banir o medo de falha: os projetos de infraestrutura ficam dentro de um orçamento pré-determinado antes de avançarem para uma etapa de amadurecimento.
Para Ahmed El-Geneidy, especialista canadense em planejamento de transporte e professor da universidade McGill, não se deve planejar o transporte público apenas a partir de uma sala e usando algumas previsões. Ele usa seu background em Montreal para argumentar que é pior ainda investir em projetos definitivos com essa mentalidade.
Nota de atenção: mesmo que os projetos de infraestrutura de ciclovia sejam temporários, eles são difíceis de serem implementados, visto que os ciclistas, em geral, formam uma comunidade coesa e bem organizada. Segundo a revista Wired, no caso de ciclovias eles agem como leoas que protegem seus filhotes. Então, qualquer cidade que venha a ter seu projeto experimental precisa considerar o comportamento “felino” dos ciclistas.
(InfraRoi)
20 Maio 2016
Mobilidade